sexta-feira, 22 de agosto de 2008

TABACARIA - Parte 1

Ao mestre xamã:

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
..."

Álvaro de Campos (F.P.)

2 comentários:

Anônimo disse...

O inexplicável horror
De saber que esta vida é verdadeira,
Que é uma coisa real, que é [como um] ser
Em todo o seu mistério
Realmente real.

Por que pois buscar
Sistemas vãos de vãs filosofias,
Religiões, seitas, [voz de pensadores],
Se o erro é condição da nossa vida,
A única certeza da existência?
Assim cheguei a isto: tudo é erro,
Da verdade há apenas uma idéia
A qual não corresponde realidade.
Crer é morrer; pensar é duvidar;

Quanto mais fundamente penso, mais
Profundamente me descompreendo.
O saber é a inconsciência de ignorar...

Com que realidade o mundo é sonho!
Com que ironia mais que tudo amarga
Me não confrange, fria e negramente,
Esta inquieta pretensão a ser!

Fernando pessoa

Anônimo disse...

Fernando Pessoa é algo, geminiano, então tem aquele forma peculiar e cerebral de entender a vida e o amor...E este poema o Horror de Conhecer é imenso, mas fantástico, se tiver curiosidade eu passo ele todo à vc

Isabel

bel_oceano@hotmail.com