sexta-feira, 14 de junho de 2019

Lápides de cemitério.

Ela escolheu a playlist "Músicas para chorar a noite toda e ficar com dor de cabeça depois" na esperança de arrancar o buraco no peito e a dor do estômago que aparentemente não teria sido causada pelo último pacote de miojo que tinha atacado da despensa.
Ao voltar para casa depois de um dia de trabalho tinha comprado uma cerveja no boteco da esquina. Já havia previsão de sentimento e aquela amiga junto ao play poderia ser suficiente para espantar o gelo que fazia dentro do corpo. Bebeu. Ouviu. "Gelada como nenhum lugar tem" era a promessa do cara do caixa que cobrava R8,00 por uma long-neck desmancha angústia. Nada adiantou. A cerveja tomou e a dor continuou. Os paliativos mundanos já não faziam cócegas na sua vagina. A lucidez e a vontade de vomitar ideias era maior que o prazer de ficar dopada para não entrar em contato com a dor. Ela queria sangrar. Ela precisava chegar na veia pulsante para espirrar sangue pelas paredes do quarto que ainda não tinha cabeceira na cama.
Diziam que quarto sem cabeceira traz confusão e falta de foco. Ela então arrancou um pedaço do fogão e arrastou até o quarto. Fez uma instalação de bocas e começou a cozinhar ideias. A ferver, a fritar. Ela fritava. Suava frio e as palavras insistiam em escapar das suas mãos, da sua mente. Ela poderia ficar escrevendo ininterruptamente até morrer que ainda faltaria espaço para colocar suas ideias no mundo. Era uma avalanche de imagens. Eram como as lápides no cemitério, infinitas para aqueles que não tem foco.
Ela precisava encontrar um atalho, uma receita, uma boca que falasse, que pudesse ferver tudo aquilo que sonhava. Olhou para o lado, acessou o Instagram, seguiu pelas 435 fotos e frases de conhecidos e de repente descobriu, no meio do buraco negro dentro do seu peito, que a boca que ela precisava usar era a dela própria. Que o corpo que ela precisava movimentar era aquele mesmo que bebia sua cerveja e que as ideias que tinha poderiam até ser idiotas, mas eram necessárias para sua sobrevivência dentro deste cemitério.