sexta-feira, 23 de novembro de 2007

A realidade da experiência


Moyers: “Mas o que acontece a essa autodescoberta, no amor, quando você encontra alguém e, de súbito, sente: “eu conheço essa pessoa”, ou “eu quero conhecer essa pessoa”?
Campbell: Isso é muito misterioso. É quase como se a vida futura, que você vai viver com essa pessoa, já lhe tivesse contado isso. Eis aqui alguém com quem você vai viver aquela vida em comum.
Moyers: Não é alguma coisa que vem do interior da nossa reserva de memórias, que nós não compreendemos nem reconhecemos? Tocar uma pessoa e ser tocado por essa pessoa de um modo...
Campbell: É quase como se você tivesse reagindo em face do futuro. É aquilo que está por acontecer, falando a você. Isso tem a ver com o mistério do tempo e com a transcendência do tempo. Mas eu penso que estamos tocando, aqui, num mistério profundo.
Moyers: Em sua vida, você simplesmente deixa isso aí, como um mistério? Ou você acha que é possível ter ao mesmo tempo, ambos bem-sucedidos, um casamento e uma outra relação que não o casamento?
Campbell: Tecnicamente, a resposta seria: “Bem, sim; é claro”.
Moyers: Mas parece que aquilo que alguém dedica ao caso amoroso é extraído da relação matrimonial e compromete a lealdade dessa relação.
Campbell: Acho que cada um deve lidar com essas coisas por si mesmo. Pode ser que aconteça uma grande paixão, depois que você tenha contraído matrimônio, e uma paixão tal que não dar livre curso a ela poderia.....como dizê-lo?....embotar toda a experiência da vitalidade do amor.
Moyers: Acho que esse é o âmago da questão. Se os olhos são os espiões do coração e revivem aquilo que o coração apaixonadamente deseja, será que o coração vai desejar apenas uma vez?
Campbell: Deixe-me dizer-lhe que o amor não imuniza a pessoa no tocante a outras relações. Mas que alguém possa ter um caso amoroso pleno – repito, um caso amoroso pleno.... – e ao mesmo tempo manter-se leal ao matrimônio, bem, não creio que isso chegue a acontecer.
Moyers: Por quê?
Campbell: A coisa se romperia. Mas a lealdade não o proíbe de ter uma relação afetuosa, até amorosa, com outra pessoa do sexo oposto. A maneira como as novelas de cavalaria descrevem a ternura das relações com outras mulheres, por parte daquele que se mantém leal ao seu amor, é muito encantadora e cheia de sensibilidade.
Moyers: Os trovadores cantariam para suas damas, ainda que houvesse escassas esperanças de virem a entreter uma relação com elas.

(Trecho do livro O Poder do Mito, "conversação" entre Joseph Campbell (1904-1987), um dos maiores estudiosos de mitologia, e o jornalista Bill Moyers)

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Arte de viver só

egon schiele

Ela estava só
no noite tarde e fria.
Não havia ninguém na casa. Há muito tempo.
Mas no seu silêncio,
era uma multidão que gritava:
- Vai! Vai! Vai pro mundo!!
- Que mundo?
- Esse aí, não tá vendo?
- Não.....tá tudo tão longe, tão difícil.....
- Não..tá tudo tão perto, tão dentro...................de vc.
Ela abriu as pernas, respirou e foi.
Inteira. De uma vez só.
Sem vontade de voltar.



quarta-feira, 21 de novembro de 2007

O Labirinto


Outro dia, vasculhando o mundo dos "yakults", deparei-me com a página da Isabella Lotuffo, uma amiga de infância do interior, fada fantasiada de gente, poeta e desenhista, e encontrei esse texto de sua autoria. Através da poesia, ela dialoga sobre o caos que reside dentro de nossas almas. Caos que tentamos evitar no dia-a-dia. Caos que tentamos encontrar a saída. Caos que nos leva a encontrar o pan-panico da vida. E celebrar.
Fica aqui a saudade:


O Labirinto é um lugar escuro, misterioso e místico.
Sao dezenas de voltas, paredes, concretos, ondulações.
A matemática é metafísica, o devaneio se expande em progressão aritmética.
O som é fantasmagórico e o grito nunca é silenciado: ele voa ressonante raios de quilômetros e volta ao Labirinto no eco distante da manhã.
O Labirinto é a casa dos desorientados, é o limite dos fracos, é o desafio dos arquitetos e é também o motivo de superação dos fortes.
Existem certas soluções ao grande enigma: Teseu escolheu o fio de ouro da bela Ariadne, Dédalus deu asas a Ícaro, mas eu, eu enfrento o Minotauro no peito, e enfrento o Labirinto do meu jeito.
O Labirinto, meus caros, sou eu.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Arte pós-dramática


Pavor do riso


No encontro
Do corpo
Que devora e
Que se envolve e
Que derrama
De tesão
Todo o sonho
Toda a busca
Do amor de alma
Do amor de pele
De espírito
Do amor verdadeiro

Deixo passar todo medo
De penetrar
De deixar te encontrar
Alma idêntica
Que apavora na risada
E ri, e brinca, e teme
E ama

Ama o encontro
O acontecimento
O momento
De ida
De crença
De liberdade
De vir a ser
De ser

Sem regras
E sem promessas
Entramos
Deixamos
sem saber o porquê
Sem saber como
Sem saber....

Uma tira vale mais que mil palavras