quarta-feira, 25 de novembro de 2015

com vergonha sem vergonhas.

Quando ela o viu pela primeira vez,
ficou corada e quis sumir.
Quando ela o viu pela décima vez,
se apaixonou.
Quando ela o teve em seus braços,
amou.
Quando ela o perdeu,
chorou.

Quando ela o reencontrou,
ficou corada e quis sumir.
E falou coisas de quando
se apaixonou,
amou
e chorou.

E, corada diante de si, quis sumir novamente.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

embalo.

Às vezes quando chove, eu choro.
Por embalo.
Pra não brigar com a natureza.
Das coisas.

mania de explica-ação.


Era uma vez uma menina que nasceu com mania de explicação.
Queria explicar para os adultos que as crianças também sofrem.
Para as amigas que o tempo cura só algumas coisas.
E para os irmãos que o amor também vive em dois.
Ela queria explicar-se.
E entender porque as palavras saem da boca mesmo a gente não querendo.
E porque quando tá escuro a gente sente medo.
Explicar porque os desejos às vezes não correspondem aos fatos.
E porque os fatos fogem do controle dos desejos.
Explicar ao namorado porque gostava de morar longe.
E entender porque quando tava longe queria senti-lo mais perto.
Explicar para os outros que as regras muitas vezes falham.
E que a falha geralmente é a regra.
Explicar para os filhos que os pais também amam.
E porque amam também sentem medo.
Explicar para o marido que a vida precisava de um pouco de jazz.
E que não sabia onde escutá-lo.
Ela queria se explicar.
Achava que se explicando acharia sentido no mundo.
Mas ao se explicar, nada no mundo fazia sentido.
Já que, no fundo,
todo mundo ia morrer.
Sem explicar nada.
Para ninguém.

sábado, 21 de novembro de 2015

a casa-guardada e a ventania.

 
E tinha um monte de poeira acumulada no trilho da porta.
Ela tentava abrir com as forças que restavam.
Mas os besouros pareciam brincar com suas vontades.
Era a vontade de ver com a vontade de matar.
Os besouros, que atrapalhavam seu caminho.

E tinha um cheiro de mofo guardado lá, há tempos.
Ela abria as portas. Mas o vento do campo não vencia o medo dentro dela.
Era uma vontade de ver o passado com o desejo de pintar a casa.
Precisava consertar as telhas, as portas e as janelas que davam para o futuro.

E tinha estantes vazias e quadros roubados.
Tinha teia de aranha na tábua de pães.
E uma toalha cozida e guardada no fundo do armário
que tinha sido feita em tempo de noivado.

Olhou tudo. Abriu tudo.
E respirou fundo aquele ar de novo com mofo na casa.
Era tempo de mudança e de seguir em frente.
De dar rumo às coisas que pararam no tempo.

Pegou um balde de coragem,
uma vassoura mágica feita de chorões
e jogou água limpa na sala vazia e empoeirada.

Os besouros nadaram naquele dia.
E ventou, forte.

A espera.

E todas as noites ela saía vagando pelas ruas.
Nua. Só. Desavisada.
À espera de algo que a transformasse.
Ou a levasse.
Era o tempo da espera.
À espera de um amor, de um conto, de um desfazer das coisas.
Era nua que ela gostava de esperar.
Sentia assim o barulho da noite de maneira mais intensa na pele.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

amigas de infância

 
 
Eu e a Morte somos amigas de infância.
Ela me liga de vez em quando.
Às vezes manda emails,
prolixos e molhados de saudade.
Às vezes vem em zap zap,
 surpresa.
E, em alguns dias,
ela vem tomar um chá da tarde comigo.
Conversamos horas a fio, tecendo.
Nos conhecemos muito.
E ela acaba ficando para dormir.
 
Quando acordo, na manhã seguinte, ela nunca está lá.
Mas sempre deixa um bilhete em cima da mesa de jantar:
 
"Sinto sua falta. Voltarei em breve. Se quiser, venha me visitar".
 
Eu jogo o papel no lixo
e vou trabalhar.
 

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

face à facebook

Esse negócio de facebook acaba comigo.
Não escrevo nada por inteiro.
Quando escrevo, perco tempo tentando entendê-lo.
E, se não escrevo, calo fundo e devaneio.
Aí, numa noite dessas, redescobri os blogs lendo uma amiga poeta,
e voltei aqui.
Espiei cada frase escrita ao longo desses anos todos.
Foi um flashback. Um bom flashback. Ri, me emocionei e chorei.
De mim mesma. Li minha memória. Minha história.

Quando há registro a gente entende um pouco em como viemos parar aqui.
Me entendi um pouco naquela noite.
Vi meu lado luz. Meu lado negro.
Vi que vivo em espirais.
E fiz as pazes comigo. Um pouco, quem sabe.
E decidi: aqui é meu lugar.
De face a face comigo mesma.