sábado, 10 de novembro de 2007

dá-me a tua mão

Clarice Lispector
esclarece um pouco de mim:

"Dá-me a tua mão:

Vou agora te contar

como entrei no inexpressivo

que sempre foi a minha busca cega e secreta.

De como entrei

naquilo que existe entre o número um e o número dois,

de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia.

Entre duas notas de música existe uma nota,

entre dois fatos existe um fato,

entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam

existe um intervalo de espaço,

existe um sentir que é entre o sentir

- nos interstícios da matéria primordial

está a linha de mistério e fogo

que é a respiração do mundo,

e a respiração contínua do mundo

é aquilo que ouvimos

e chamamos de silêncio."

mistério das cousas

















Em dias de rio e mato distantes,
e de pensamentos infindos presentes,
encarcerada na cidade de prata e de sol e de chuva,
pego a estrada de terra de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
para lembrar-me de que
o verbo "ser" nada "é"
além dele mesmo:

"O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum.
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis que os meus sentidos aprenderam sozinhos: -
As cousas não tem significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas."


(Alberto Caeiro - O guardados de Rebanhos - 1911-1912)

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Pret-à-Porter


Pret-à-Porter.
Pronta entrega.
Entrega pronta
para modelar
ampliar
as contradições
pulsações, sensações,
pressentimentos do que é
não dito
não feito.
Olhar, coração.
Relação
curta.
Curta o circuito curto.
Curto-circuito.
Circular, pronto.
Entregue.

terça-feira, 6 de novembro de 2007


Ilusão ou Realidade?


Sinto cócegas nos dedos, nas mãos, nos braços, no pescoço. Cócegas na garganta. Quero gritar e a imobilidade me rói por dentro.
Outro dia ouvi uma música de infância que dizia que a pequena menina vivia dois mundos diferentes: o de fora, da realidade, e o de dentro, da ilusão. Os meus são como os dela. Se fundem e, quando isto ocorre, me confundem.

O que é realidade?
Acordar cedo, ir para o emprego, confiar na promessa de que “este caminho vai te levar para o sucesso” e na tão esperada carreira?
Ou esta sensibilidade que sentimos quando estamos diante de um abismo de que a vida literalmente está por um fio. E que, se esta corda arrebentar, sua vida já era. Ou melhor, recomeça. Ou termina.
Qual a certeza que temos de estarmos vivos? Qual a certeza que teremos quando estivermos mortos?
Quando eu escrevo, essas certezas incertas se confundem com a ilusão do lado de dentro e se transformam na minha realidade de fora. Na realidade construída a partir da minha ilusão. Ou na minha ilusão fantasiada de realidade. Como as almas penadas que rondam a noite em busca de algum contato com a realidade. Ou a gente que em corpo corpóreo busca contato com o etéreo. Buscas que na realidade não tem significado, mas que confortam as desilusões da alma. Escrever conforta a minha alma. Acalma meu espírito e traz significado para cada fração de existência real.
Cada letra em conjunção com outra se funde em constelação de idéias como o cardume que passa ao lado no rio em busca de alimento. O cardume desliza sobre as algas e desvia das pedras. De olhos atentos e com movimentos precisos. Eu deslizo sobre a folha branca e me desvios dos brancos. Navego com palavras em busca do alto-mar. Das ondas altas, dos perigos da madrugada, dos tubarões famintos que devoram golfinhos. Sou peixe fora d’água em busca da margem do rio contínuo, límpido, fresco.
Sem contaminações. Sem borrões. Folhas repletas de incertezas ilusórias. Páginas cheias de questionamentos. Pontos que se interrogam e se exclamam. Eu me exclamo. E me pergunto:

tudo isso para quê?

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

HOMO-PERDIDO



Como pode um homem ser aquilo que deseja ser,
se ele já não o é a princípio?
É como querer chegar sem sair.
Ou como sair sem ter para onde ir.
É homo-perdido. Sem sentido.
É vida jogada fora.
Sem ser para se jogar.
É desperdício de tempo.
De vida.
De palavras.
Deste papel.

Quando se chega onde se pretendia há muito tempo sempre surge uma sensação de que algo está faltando....pois nunca se quer chegar....para não ter mais para onde ir.

O que se quer é ir mais além

...e não parar....

É buscar.

Ainda mais.