sábado, 2 de maio de 2009

O primeiro passo rumo à Rússia.

“Antes de ler Tchekov, é preciso conhecer Turgueniev” – essas foram as palavras do diretor Eduardo Tolentino ao me dar em mãos o livro que iria me emprestar, “Pais e Filhos”. Saí do apartamento dele naquele fim de tarde, em que fazia um pôr-do-sol alaranjado e suave, pensando se iria ou não ao teatro e que horas iria encontrar o meu amor. Mal sabia o que me aguardava naquelas páginas.
Dias depois, ou melhor, semanas, decidi encarar aquele monte de capa amarela envelhecida. A leitura se fez como uma novela em minha mente, construindo cena a cena, sofrendo e rindo a cada construção de situação e contradição de personagens. As páginas foram pulando da mesma forma que os personagens pulavam de canto a canto da Rússia visitando seus parentes e amigos e vivenciando os novos e velhos encontros.
Encantei-me com Bazarov, personagem niilista construído no século XIX com uma capacidade de sintetizar o mundo como ninguém. Causava-me, muitas vezes, tamanha irritação que minha vontade era adentrar àquelas casas de fazenda antigas e opinar sobre determinados assuntos debatidos por ele no livro.
Arcádio, tido como romântico pelo amigo Bazarov, vive à sombra deste, e, ao fim, através de uma descrição lindíssima e sutil colocada em um jardim de imagens quase gregas, descobre aquela que seria a sua mulher, o seu amor. Mas não pela simples descrição banal de paixões de livros, mas pela tomada de consciência de que ela era a pessoa que lhe cabia naquela existência. Uma tomada de consciência bela, mas dolorida ao mesmo tempo. A tomada da consciência da idade e dos caminhos reais que se pode trilhar nesta existência. Kátia era a mulher que seria adequada a ele, e não a que ele sonhava em discussões filosóficas. E era bom que fosse assim.
Outra personagem intrigante é a de Ana Sergueievna, mulher fria, dura e “aristocrata”, segundo o olhar de Bazarov e aos meus também. Vive segundo regras e horários dentro de uma vida no campo para fugir do tédio da sua existência - característica essa, de construção de personagem - que Tchekov acaba desenvolvendo também a partir de Turgueniev.
Entre todas as passagens da obra, há duas que mais me tocaram e que vale mencionar aqui.
A primeira, as discussões calorosas entre Bazarov e Pavel (tio de Arcádio) durante as refeições. De forma irônica, e cômica, o autor constrói o conflito com gestos, pensamentos cortados e opiniões que nada tem a dizer – mas que tudo dizem. A “baboseira” dita é construída com tanta perspicácia que a diferença de pensamento e opinião entre as duas gerações leva, quase ao fim do livro, o leitor a acompanhar um duelo entre os dois (isso mesmo! Com passos para trás e tiros!), que parece aparentemente absurdo e cômica, mas que nos revela a compreensão da dimensão trágica daquela ação para cada um dos personagens. Inacreditável e inesquecível.
A segunda, a momento da morte de Bazarov, diz respeito à solidão, à morte e, principalmente, ao apego do ser humano às palavras e suas próprias crenças – questionado tanto na descrição dos pais de Bazarov, que rezam escondido pela sua sobrevivência do filho, como o próprio Bazarov que, à beira do fim da vida, apesar de durante toda a obra nada crer e tudo questionar, pede, agonizando: “Ouça: nunca a beijei na minha vida...Quer soprar a lâmpada bruxoleante e apagá-la para sempre?”....e Ana Sergueievna o beija na testa. E ele morre.
Uma obra que movimenta o espírito.

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