terça-feira, 7 de abril de 2009

o nada-acaso

Não havia mais nada a dizer.
Os prato sujos sobre a toalha velha, os garfos tortos do passado de abridores de lata e os copos, pela metade, com o vinho de sempre.
A chuva caía fora de casa, mas o calor dentro dos cômodos era insuportável entre as pequenas janelas que davam para a Radial Leste.
Era tarde da noite e os carros continuavam passando lá embaixo.
Não tinham filhos.
Não tinham pais.
Não tinham amigos.
Falavam apenas daqueles que passavam com pressa pela rua suja, do mendigo louco que gritava na mesma hora do dia na entrada do prédio e do Seu Adolfo que vendia fogos de artifício na vendinha da esquina e que nunca esquecia de dar "bom dia", mesmo quando já era quase noite, e se encontravam no elevador.
Era assim. Até aquela noite.
Já era quase 23h40 quando ouviram um grito seguido de um barulho alto de pancada.
Pararam o gole do vinho. Foram às janelas. Nada viram.
Discutiram sobre a possibilidade do gato beje da vizinha de baixo ter caído da janela que não tinham tela (e que tantas vezes eles avisaram....) ou das mangas verdes do caminhão da feira, que se levantava às quintas-feiras pela madrugada, terem despencado e sujado toda a rua (o que impediria que eles saíssem de casa pela manhã, mais uma vez, pois sujariam as sandálias de couro....) ou até de algum "jovem drogado" ter se espatifado dentro de seu carro novo depois de uma balada nas imediações do centro.
Discutiram, discutiram, por um tempo.
O relógio bateu meia-noite. As luzes do apartamento se apagaram.
No dia seguinte, não havia mangas no chão, nem gatos, nem marcas de carro no chão.
E não havia nenhuma janela aberta.
E a venda estava fechada.
Havia apenas uma placa: fechada, por motivo de falecimento.
A venda nunca mais abriu.
Depois de meses, quase um ano, souberam pelo novo vizinho que se mudara para o apartamento ao lado do deles que "este prédio era famoso".
Tinha sido lá o caso do assassino suicida, que, individado com as empresas de "bombinhas", pulou do prédio e matou um mendigo.
Não havia mais nada a dizer.

Um comentário:

Flavia Lorenzi disse...

gostei!
mudou ne?
a maneira de dizer as palavras!
gostei!
ai que saudade do ce pequena!!!!