domingo, 27 de janeiro de 2008

O vazio de sermos um só

O rosto dela já não era o mesmo. Ela sentia a vida na sua crueldade e não tentava mais se enganar. Parecia tudo mais claro, cru. As pessoas eram outras. Ela era outra.
Fazia-se pensar que assim a vida é e assim temos que aceitá-la. Pobre pequena condição humana. Aceitar o que lhe cabia parecia tão pouco, tão ínfimo perto da imensidão da sua criatividade e capacidade de imaginar as coisas.

Aceitar sua condição de ser a partir do outro e saber que o outro nunca poderá ser aquilo que ela deseja ser em si mesma. A individuação do ser humano. A certeza de que todos estamos sós, apesar de não querermos ver. As pessoas ligavam a televisão para não ver. Isso a irritava. A falsa sensação de segurança.

A solidão a apavorava. A incapacidade de dividir o pavor da solidão a apavorava mais ainda. Era impossível descrever aquilo que se passava dentro dela. Ela tinha medo de baratas, ratos, família de ratos. Ela tinha pesadelos. Ela tinha impulsos suicidas de sonhos. Ela via coisas que os outros não viam. E os outros viam cores que ela não via. Os outros e ela nunca veriam as mesmas coisas e isso, ao mesmo tempo que a fascinava, lhe dava medo.

Ela gostava de ficar só. De olhar para a parede branca da sala e lá colocar as coisas que queria viver naquele momento. Ela gostava de tomar banho para poder cantar no seu próprio tom. Para recuperar sua face, seu corpo. Não é que não gostava de gente. Amava. Saboreava o samba, o sexo, a conversa entre amigos. Mas, de vez em quando, quando a realidade já não parecia bastar, ela se fechava em casa e criava o seu dia. Ou a sua noite. Fazia-se companheira de si mesma.

Ela se perguntava quando era que isso acontecia com mais frequência e pressentia que era quando se doava e se misturava aos outros. Ela gostava de tocar as pessoas para saber o limite entre ela e o outro. Para se delinear no espaço. Para se sentir uno. Mas depois da multidão ela sempre voltava para a parede branca e a xícara de chá amarela que guardava no armário. Ela buscava nela aquilo que havia colhido de si através do outro. E se ela não existisse? E se tudo aquilo fosse um sonho, ou uma outra realidade? Como ter a certeza de que você existe? O que é existir? Essas perguntas a assombravam. E ela não conseguia evitar encontrá-las todos os dias.

Às vezes, em dias em que a cabeça já não suportava o pensar, ela se entregava aos goles em busca da alienação do álcool. Ela sabia que era uma fuga. E ela se odiava por isso. Por ter medo do vazio, apesar de atraída. E depois de embriagar-se e de fingir existir dentro de alguma estrutura social, ela voltava para casa, para a parede branca e a xícara de chá.

Com o tempo, a parede branca foi ficando mais branca e o gosto do chá começou a ficar amargo. Aí ela pegou um pincel colorido e um saquinho de adoçante. E pensou como seria se ela conseguisse enfrentar o vazio.

2 comentários:

danzim disse...

entre o mais fundo profundo e o mais ralo raso há ainda uma escada enorme para percorrermos, estarmos e mudarmos...


qto ao post debaixo, sensacional.. ôtra dica é... a culpa é do fidel..

bitó, nêga.

Anônimo disse...

tenho outra dica...rsrsrsr
"se a culpa é minha eu ponho em quem eu quiser!"
ahahahhaa
bitocas danzin!