segunda-feira, 1 de maio de 2017

Conto de rua molhada.

Naquela tarde de sol de inverno, enquanto caminhava apressada pela rua ainda molhada da chuva que acabara de cair, ela pensava o quanto sentia falta de saber notícias suas. Não o via há tempos e a última memória guardada daquele olhar tinha sido numa virada de esquina. O vazio do tempo tinha tornado o buraco no meio um pouco maior do que ele realmente era. Ou ele era quando ela lembrava que ele existia. Pois quando a vida passava, ele também passava. Mas, em dias como aquele, em que caminhava sozinha pelo mundo barulhento, o buraco dava as caras e inflava de tamanho. Tornava-se um túnel negro capaz de levá-la para dentro numa força de vulcão. Ela se via diante da possibilidade de pular dentro dele. De suicidar-se pra dentro. Chegava bem na beira, entregava-se e derramava-se em lágrimas. Em rio. Mas aí, de um momento ao outro, sem regras, recuava. Sempre depois de um transeunte que pedia licença ou mesmo de um tropeço na calçada esburacada. Ela voltava assim. Num susto. Numa quebra de raciocínio colocava os fones de ouvido no último volume e lembrava que o trem estava para chegar e ela não podia se atrasar. Lembrava dos ovos que precisava comprar, do livro que tinha que terminar e do amigo que perdera a mãe que precisava visitar. O mundo de fora a salvava. Ou a levava? E, mais uma vez, lá ia ela pra fora do mundo negro em busca de atender o mundo fora. Como uma máquina de fazer pensamentos.

Mas, em silêncio, dentro do peito, carregava uma vontade de chorar. No colo dele. Um dia.

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